Niguém duvida que um momento trágico não pode deixar ninguém
feliz e o mais recente caso do atentado durante a Maratona de Boston é a prova
clara disso. Ao longo da história do jornalismo, a grande verdade é que ele
acrescenta-se de valor sempre que algo de diferente ocorre e nitidamente uma
tragédia não só é notícia como corresponde a uma clara subida de audiências.

E entre a quebra da normalidade existem as tragédias, os
acontecimentos negativos , que são audiência para qualquer Órgão. E hoje
trago-vos três casos diferentes que acompanhei nestes últimos dez anos de ligação
à modalidade...
O acidente de Paulo
Pinheiro que catapultou o Atletas.net
É incrível mas o acidente que o atleta Paulo Pinheiro sofreu
há cerca de dez anos no Grande Prémio de Valejas não consta em qualquer
pesquisa Google. O atleta corria uma das provas do circuito concelhio de
Oeiras, quando foi atropelado por uma mota da polícia, após uma mudança de
direção da jovem promessa do atletismo português. Eu, presente no local
enquanto atleta e treinador, estranhei a tamanha demora na chegada dos atletas
da prova principal, quando o falatório junto à meta começou a trazer notícias
da tragédia. Saí de Valejas sem entender o que se tinha passado...
Cheguei a casa e no telejornal da noite uma das televisões
noticiava o acidente do jovem atleta, baseada em depoimentos que foram sendo
dados no extinto fórum do Atletas.net, site que desconhecia por completo. Uma publicidade
gratuita ao portal de referência, à época, que me levou a descobrir a sua
existência e a participar no seu fórum e a tornar-me moderador, etc etc. Como
eu, muitos outros deverão ter chegado a este portal que teve direito a
publicidade no prime-time, de forma totalmente gratuíta e por causa...de uma
tragédia.
O meeting de Roma foi
promovido por causa de Salim Sdiri
Muitos se lembrarão do que aconteceu no meeting de Roma em
13 de julho de 2007. Para quem não se lembra e não é impressionável, pode vê-lo
abaixo.
As imagens são dramáticas e só por sorte hoje o atleta
francês ainda está vivo e ainda compete. À época escrevi isto e não potenciei minimamente a discussão, o que levou a que passados 7 anos essa
notícia não tenha sequer mais visualizações que qualquer uma das notícias
escritas recentemente para o Nacional de Clubes. Não fui um aproveitador da
tragédia, mas todos os restantes órgãos aproveitaram o momento para maximizar
as visitas, que resultou em dois tipos de ganhos: em maior consumo por parte
dos utilizadores e em maior divulgação do atletismo na comunidade em geral. Por
certo que mais pessoas ficaram a perceber que existia na comunidade do
atletismo algo chamado de Liga Dourada, o maior circuito mundial de meetings.
O atentado à Maratona
de Boston trouxe Dulce Félix aos telejornais
Julgo que é desnecessário mostrar as imagens do atentado em
Boston, tantas vezes e sem fim que foram repetidas nos ecrãs da nossa televisão
ou do nosso computador. O atentado na Maratona de Boston de 2013 foi notícia
durante dias e gerou milhares de linhas de escrita ou milhares de minutos de
vídeo produzidos por todo o globo, desde aquilo que mais se relacionou com a
prática do atletismo, com as investigações que culminaram na detenção de um dos
autores e na morte do outro autor. Alguém duvida que este facto levou a que a
beleza de tantos milhares de corredores a correrem por felicidade própria uma Maratona
transmitiu a mensagem a milhões de sedentários que procuram algo que mude as
suas vidas?
Desta vez organizei uma cobertura mais informativa sobre o
que ocorreu em Boston e querem saber que só em visitas nos conteúdos produzidos
triplicou-se em número (em relação à notícia sobre Salim Sdiri), em algo que aconteceu há somente dois meses atrás? Já
não falando obviamente de outros ganhos, nomeadamente expondo o Atleta-Digital
a uma comunidade mais geral...
Nessa prova competiu Dulce Félix, atleta portuguesa que em
Boston trouxe o nono lugar numa prova onde chegou a ser líder. Alguns
telejornais noticiaram a participação da portuguesa, mas todos passaram a
noticiar a partir do momento em que a tragédia aconteceu em Boston. A
portuguesa deu declarações, fez diretos para telejornais, bem como toda a sua
equipa, desde treinadora a agente. Hoje quando pergunto a alguém se sabe quem é
a Dulce Félix, lá vem a resposta típica: “não foi essa que competiu lá naquela
prova de Boston?”.
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Este artigo não pretende obviamente julgar nada nem ninguém
em particular. Um órgão de comunicação social existe para informar e a
informação é tão mais útil quanto mais novidade for. Se no futebol dois
jogadores se baterem num treino, todos sabemos, se no atletismo dois atletas se
agredirem só uma pequena comunidade saberá, como aconteceu no passado com TeddyTamgho. Mas se formos à rua perguntar se conhecem Teddy Tamgho o que vos dirão?
Mas é óbvio, a tragédia é também benefício para algumas
partes e normalmente um órgão de comunicação social está do lado dos ganhos. E
foi por isso que a Associação Europeia de Atletismo criou regras inovadoras e
arriscadas durante o Europeu de Nações, em 2009, quando se realizou em Leiria.
As regras foram duramente criticadas por atletas e treinadores (e foram mudadas), mas por certo que se perdeu uma componente mediática que não ajuda a
levar o atletismo ao grande público. Se dentro de semana e meia Portugal subir
à Superliga, será que o atletismo estará em qualquer um dos telejornais? Será
que a Federação Portuguesa de Atletismo devia levar Naide Gomes para aumentar o
potencial jornalístico, em vez de levar uma das jovens atletas em ascensão no
salto em comprimento, para aumentar a probabilidade de notícia? Veremos os
próximos episódios...
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