Confesso que
por momentos (e ainda agora o sinto) me lembrei dos tempos de correspondência
por carta, mas em modo moderno: por e-mail. Como devem compreender as
entrevistas fazem-se muitas vezes por correio eletrónico e se foi assim que fiz
com o João Lima, pois também foi assim que fiz com a Ana – a partir
daqui esqueço o apelido dela pela alguma convivência que fui mantendo com a Ana
ao longo dos anos...
Não podia
deixar de fazer o convite à Ana para me deixar algumas palavras, mas ela, tão
teimosa quanto o João Lima, decidiu responder-me de forma extensiva, de uma
forma que volto a não ter coragem de fazer cortes no texto...Que hei-de fazer a
estes meus entrevistados...
“Para o meu
amigo Edgar Barreira: "Eu e a Corrida"
EB: Sempre tiveste queda para a escrita
e foste ativa com textos na internet. Em relação à década passada, dá-te mais
ou menos prazer em escrever?
AP: Se tenho queda para a escrita ou não, não sei, mas confirmo que sempre gostei de escrever. Desde miúda. Faz parte de mim. Sentir. Imaginar. Descrever. Exteriorizar pela escrita. Alegria, tristeza, momentos vividos e experiências. Sempre me deu muito prazer passar tudo para palavras e com as palavras fazer frases e transmitir mensagens.
"Descobri" a internet pelo ano de 2000, e como dizes, depressa me tornei activa nesse meio cheio de possibilidades. Se escrever sempre esteve ao meu alcance, já a partilha fácil e rápida que a internet permite, foi para mim deslumbrante e também factor motivador, não só pela partilha como a interacção possível com os "leitores".
AP: Se tenho queda para a escrita ou não, não sei, mas confirmo que sempre gostei de escrever. Desde miúda. Faz parte de mim. Sentir. Imaginar. Descrever. Exteriorizar pela escrita. Alegria, tristeza, momentos vividos e experiências. Sempre me deu muito prazer passar tudo para palavras e com as palavras fazer frases e transmitir mensagens.
"Descobri" a internet pelo ano de 2000, e como dizes, depressa me tornei activa nesse meio cheio de possibilidades. Se escrever sempre esteve ao meu alcance, já a partilha fácil e rápida que a internet permite, foi para mim deslumbrante e também factor motivador, não só pela partilha como a interacção possível com os "leitores".
Desde essa altura, considero que evoluí não só como
pessoa mas também na forma como escrevo, mas o prazer em escrever é o mesmo.
Está em mim. Por outro lado, ao partilhar o que escrevo condena-me a uma
determinada dose de exposição e com a criação do blogue Maria Sem Frio Nem Casa, em
2006, e o facto de muita gente nas corridas me reconhecer, e de pessoas do meu
círculo de vida irem ler o que eu escrevo, acabou por me condicionar um pouco
para me salvaguardar a mim própria e aos meus. No entanto, primo por manter a
genuinidade no que escrevo pois ao fazê-lo estou a manter-me eu própria genuína
e não sei viver de outra forma. Porque podemos sempre fingir e enganar. Mas
nunca a nós próprios.
EB: Consegues contar-me um bocadinho do
teu percurso no atletismo desde a mais tenra idade aos mais recentes dias em
meia dúzia de linhas?
AP: Em 1976, com 7 anos de idade apenas, porque as minhas amigas lá andavam
e os meus pais acharam uma excelente forma de ter e melhorar, mais que uma
formação desportiva, uma boa formação como indivíduo, increveram-me numa equipa
de Atletismo: Grupo Desportivo de Vialonga, onde treinava e corria: Estrada,
Pista e Corta Mato. Estive aí 2 épocas e saí por questões "técnicas",
mais especificamente o tratamento dos atletas pelos dirigentes do clube, de
forma discriminatória e injusta e erámos crianças na altura.
Uns anos parada e assim que entro na pré-adolescência e surgem as normais
preocupações dessa fase, como a imagem e a aceitação (ou não aceitação) do
corpo e das suas transformações, recemeço a correr, mais para emagrecer e
tentar moldar o corpo. Corro sozinha ou com o meu irmão mais velho, pelos
campos, pinhais, estradas, praias e dou por mim a gostar e a perceber que para
além de moldar o corpo, a Corrida molda-me a alma e contribui estrondosamente
para o meu bem estar mental, tão ou mais que para o físico. Corro sem regras,
sem métodos nem objectivos e com uma frequência e regularidade pouco
aconselhada pois sempre houve períodos demasiados longos de inactividade,
contrastando com outros de "treino" mais ou menos regular.
Chego aos 23 anos e encontro na minha vida quem veio a ser meu marido e pai
da minha filha e por casualidade ou não, era ele também um adepto da prática da
Corrida, praticando sensivelmente da mesma forma que eu: corria por aí.
Encontro na casa dele todos os números da Revista Spiridon (com excepção do
1º) e devoreio-os apaixonada pela Corrida. Junta com ele a Corrida ganha outro
contorno. Treinávamos juntos e começámos a participar em provas populares. A 1ª
foi a Mini da Ponte (25 de Abril) em 1996. Gostamos tanto que a partir daí
nunca mais paramos. Nessa altura já se desenhavam objectivos específicos e o
treino era também metódico e estudado para o objectivo em vista. Planos
aconselhados por amigos, planos retirados da internet, a Spiridon e íamos
experimentando treinos. Evoluí como nunca nessa altura e atingi os meus
melhores tempos em prova e exemplos disso são por exemplo 1h04m nos 15 Km da
Corrida das Fogueiras, Junho 2002, ou 1h36m na Meia Maratona do Seixal, Janeiro
2002, ou ainda, mais tarde, as 3h49m na Maratona de Lisboa em Abril 2004.
Por esses anos e nos vindouros, fiz parte de algumas
equipas e corri por elas em imensas provas. Destaco os AFIS, de Ovar, de onde
só saí pela distância geográfica vir a provar-me que não fazia sentido correr
por eles, o Clube do Sargento da Armada, Feijó, para quem muitas taças ganhei
em troféus e também o Linda a Pastora, que foi em idade adulta a minha 1ª
equipa.
Depois, precisamente em 2002, com o casamento acabado, o divórcio e uma
filha pequena nas mãos, os treinos obrigatoriamente abrandaram mas nunca deixei
de correr nem de participar em provas. A filha foi crescendo e a
"liberdade" para correr aumentando, mas os tempos "aúreos"
não se vieram a repetir. Os anos avançaram e ainda corro. Cada vez menos e cada
vez mais devagar. Mas não páro. "Deixar de correr é deixar de viver",
dizia eu há décadas atrás e mantenho a mesma filosofia, mesmo obrigando-me a
correr pois sei o bem que a Corrida me faz, quer física quer mentalmente,
vencendo inércia e factores desmotivantes que tantas vezes me fazem não correr.
A Corrida fará sempre parte da minha vida. Mesmo com zangas, períodos afastadas
uma da outra, mas acabamos sempre por voltar, como Amor que é, tem sempre um
recomeço. Todos os dias. A Corrida é Vida. A Corrida dá-me Vida! Por isso, ao
sabor da vontade e sem grandes ambições, continuo a correr por aí e a
participar em provas.
EB: O que preferes, a corrida de atletismo ao estilo antigo (mais carolice) ou a corrida de atletismo ao estilo moderno (mais rentabilizado)?
EB: O que preferes, a corrida de atletismo ao estilo antigo (mais carolice) ou a corrida de atletismo ao estilo moderno (mais rentabilizado)?
AP: Olha Edgar, se pudesse juntava as duas! Mas se tivesse de escolher,
preferia mesmo as antigas! As Corridas ao estilo antigo (com muita carolice)
têm o que falta às modernas, às grandes: calor humano! Pecam por imperfeições,
às vezes graves, às vezes não. As modernas e grandes, fruto de
empreendorismo suportado por igualmente bons e grandes apoios económicos e
sociais, são algumas vezes quase perfeitas, mas depois muitas vezes falta-lhe a
essência da Corrida: o Homem, o calor humano, a palavra, o "toque"
humano. São demasiado industrializadas para o meu gosto. E quando teriam
obrigação da "perfeição" (por todas as condições que têm e pelo preço
que pagamos) muitas vezes cometem erros muitos graves, que mediante toda a
envergadura do evento e da organização e do preço que pagamos, não são
aceitáveis. Em oposição, as antigas continuam com meios escassos na maior parte
dos casos, e continuam sabe deus com que dificuldades e sacrifícios porque o
que os move é o amor à camisola, neste caso o amor à Corrida. Já as grandes e
modernas, se tiverem à frente homens também grandes que amem a Corrida e que
não deixem que o dinheiro e a sede de sucesso abafe o amor à Corrida, então têm
todas as condições para vingar. Mas muito facilmente o dinheiro se sobrepõe a
todos e quaisquer valores, e muitas das corridas grandes acabam por esquecer a
essência da Corrida e o que realmente importa: o atleta, a pessoa, o homem.
EB: Consegues estimar quantos quilómetros já correste na tua vida?
Desafio-te a fazeres uma estimativa...
AP: Não consigo Edgar. Simplesmente não
consigo... Nem médias posso tentar fazer, visto que sempre fui e continuo a ser
bastante irregular na prática da Corrida. Não deixaria de ser interessante
saber quantos kms fiz a correr, mas não consigo. E sabes? Não é curiosidade que
me tire o sono.
EB: Gostas do trabalho que o jornalismo faz em Portugal na cobertura do atletismo? Que dicas tens para dar?
EB: Gostas do trabalho que o jornalismo faz em Portugal na cobertura do atletismo? Que dicas tens para dar?
AP: Olha...confesso que o meu amor pela Corrida tem mesmo a ver com a sua
prática e não propriamente pela modalidade em si, pelo que me passa um bocado
ao lado essa vertente. No entanto, até para mim, ser alienado que nunca sabe o
que se está a passar no mundo quando toda a gente não fala de outra coisa, não
deixa de passar despercebida a hipotética insignificância a que o Atletismo e
todos os outras modalidades são remetidas pelo nosso jornalismo (?), em prol do
universo Futebol, que de desporto pouco mais tem que o nome. Uma vez mais,
prevalece o dinheiro, os interesses, o negócio e não a notícia em si. O
jornalismo em Portugal mostra o que é suposto mostrar ou o que é permitido ou
até mesmo o que é "convidado" a mostrar. Uma vez mais, o amadorismo,
a tal carolice das provas em estilo antigo, em forma de sites, blogues e
foruns, assim como jornais e revistas "locais", mantidos por
"anónimos", cidadãos comuns que só o fazem por gosto, acaba por fazer
um "trabalho" glorioso em prol do Atletismo, trabalho esse que o
nosso jornalismo despreza e não faz.
Para finalizar...
Agradeço a oportunidade e acabo como comecei...se
tenho queda para a escrita ou não, não sei, mas que escrever me dá muito
prazer, lá isso dá, conforme se pode ver pela extensão deste texto.”
Se tem curiosidade em saber o que a Ana (sob o pseudónimo de "Maria") escreve no seu blog, siga este link... (ela hoje escreveu um artigo de quem quer deixar de correr...vai deixar que ela faça isso???)
PS – E não é
que a entrevistada até me enviou logo este texto de modo a eu só ter o trabalho
de fazer copy-paste? Ana, agradeço-te bastante por te teres dado a conhecer com
tanta qualidade de conteúdo – o jornalista agradece :)
A Ana, ou Maria, é a referência do mundo dos blogs em Portugal pela qualidade literária dos seus textos.
ResponderEliminarMas não fica por aqui, é uma pessoa muito rica em qualidades humanas, de quem é um prazer conhecer.
Beijinhos Ana e obrigado Edgar pela partilha da excelente entrevista
Pronto!!!!
ResponderEliminarMais uma vez Ana .... sempre tu mesma e com quem me delicio a ler e reler....
Beijinho grande e nunca deixes de ser quem és :-)))
Grande Ana, aqui a mostrar que essa de deixar de correr??? Não deixará já mais...
ResponderEliminarParabéns à iniciativa e parabéns a ti Ana por corresponderes...
Força aí Maria, beijinho
Para mim a Ana Pereira é tão simplesmente a MÃE da blogosfera corredora e está tudo dito!
ResponderEliminarMais uma grande escolha - parabéns. Grande Ana (ou será Maria)....é só ver a legião de seguidores, e se "monstros sagrados" da blogosfera corredora a consideram a Mãe dos blogues de corrida está mesmo tudo dito - os textos dela inspiram qualquer um que goste de correr, como é o meu caso.
ResponderEliminarBeijinhos Ana, continua a correr e a escrever como só tu sabes.