terça-feira, 3 de setembro de 2013

Luandar é verbo de África




Hoje trago-vos a mais recente história jornalística, em Angola. Na verdade a ida a Luanda não teve propósitos jornalísticos, mas acabaram por acontecer apontamentos que foram dignos de reportagem, a partir de Luanda. Em causa estava a organização da Meia-Maratona de Luanda, evento que mexeu com a cidade, que fez vibrar uma população que é, maioritariamente, pobre, mas rica ao mesmo tempo nos seus costumes…

 
Pode parecer o lugar comum onde todos os que visitam o território se escudam para relevar o interesse no país, mas Angola é um país fantástico e onde a imprensa dita um papel muito relevante, até porque muitos dos que habitam a cidade de Luanda estão muito longe do acesso aos grandes meios da era digital…
 

O primeiro facto a relatar é a chegada de avião à noite. Olha-se a cidade de cima e vê-se a sua imensidão pela quantidade de casas improvisadas, enlatadas, que albergam o expressivo número de quase 5 milhões de habitantes, cerca de metade da população portuguesa oficialmente a viver em Portugal. E logo à chegada o cenário mostra uma realidade que é frequente na cidade: as falhas de luz (além de falhas de água). A intermitência das luzes mostra uma sobrecarga do sistema de abastecimento energético, que obriga à utilização dos ruidosos geradores, alimentados a um combustível que é, afinal, demasiado barato para não ser usado…

 
A chegada noturna a Luanda faz lembrar que esta se trata claramente de uma ex-colónia portuguesa e o sustento de muitas empresas nacionais na atualidade. No voo da TAAG, o avião aterrou “sem espinhas”, o que fez levantar a força das palmas, as tais que sucedem com o povo português e por quase nenhum outro. Ainda se o voo tivesse realmente tido uma aterragem atribulada…



Continuam a faltar meios locais e erguer a Meia-Maratona de Luanda fez-se à custa de empresas e fornecedores portugueses, com todos os custos que estão inerentes a tal. Está certo que o orçamento de um milhão de dólares assim o terá permitido, como está certo que este tenha sido um investimento privado, mas em que outras causas tais verbas são movimentadas?



Um forte constraste existente com a Europa, relativamente a um evento, é a diferença entre voluntários e jovens mercenários, sem que isso tenha de constituir um problema em si mesmo. Os jovens acabariam por ser contratados para auxiliar a organização das tarefas, em troco de uns dólares, levando ainda para casa diferentes materiais de merchandising do evento. Aliás, estes materiais foram ao longo da preparação do evento e do próprio evento, cobiçados por diversas pessoas, mais ou menos jovens, de ambos os géneros sexuais. A expressão “amigo, podes dar-me uma camisola” foi repetida vezes sem fim, uma imagem que me ficará cravada durante muito tempo, num retrato que é ainda a Angola de hoje, com a sua cultura bastante enraizada. E sim, trata-se de cultura, não quero entrar pela via da discussão do que é a corrupção em Angola. Por certo as centenas de garrafas de água retiradas do espaço da Organização no dia do evento terão sido vendidas a preço de saldo no dia seguinte, nas ruas angolanas…E os mercados paralelos, são traçados por várias retas de ação de cada um dos indivíduos que buscam a sobrevivência, num país ainda muito dominado pela força militarizada ou policial.



Se o continente africano é quente, ao nível equatorial, Angola é geralmente quente na terra e no mar, como o é na vertente sexual, das duas partes da barricada. Se um homem busca ter duas ou três parceiras em diferentes regiões ou para diferentes situações da vida, as mulheres acabam por não deixar de embalar para outros contactos mais aproximados, tamanha é a relação desproporcionada no número de homens, para tantas mulheres em busca de felicidade e de outra liberdade. Daí que o hábito seja o alcançar da dupla-nacionalidade, o de aproveitar a presença do “público” estrangeiro para novos Mundos, no fundo uma luta de sobrevivência que tem a sua legitimidade, se analisada a realidade local…



E a realidade local, é um facto, está-se a transformar, numa Luanda a tornar-se num misto entre Brasil (aquele “calçadão…), Rússia (aquela sinalética para o trânsito…e o próprio trânsito) e Mundo global em geral, onde se encaixará muito bem Portugal. O alojamento num hotel afastado a cerca de 10 minutos do centro dos negócios em Luanda, permite absorver a realidade das ruas, das gentes, onde o problema da higiene da cidade se coloca a todo o momento. Por momentos Luanda também me fez lembrar a cidade turca de Istambul, com dezenas de petroleiros e de plataformas petrolíferas a mostrarem o que potencia também o incremento do capital angolano para os grandes investimentos. Por exemplo a próxima sede da Assembleia angolana é de uma grandiosidade que poderia perfeitamente fazer lembrar Washington D.C.…



No meio disto ascende-se à discussão da realidade existente entre o preço da gasolina (baixíssimo) e o preço da cidade em geral, com refeições e hotelaria caros demais, para um povo demasiado pobre. Esta incompatibilidade e aparente contradição é que permite a Luanda combater Moscovo (Rússia) e Tóquio (Japão) na classificação de uma das cidades mais caras do Mundo. Além de cara inclui-se o forte protecionismo à economia local e à moeda, impedindo-se a livre saída de Kwanzas (moeda local) no momento de abandonar o país por via aeroportuária…



Não menos importante é compreender a alguma revolta angolana pela invasão estrangeira à sua economia. Infelizmente a relação existente entre estrangeiros e locais é muitas vezes de uma perspetiva top-down, tentando levar o espírito do colonialismo de volta ao presente. Bem sabemos que há uma outra face da coroa que não existiu na história, que é o facto de desta vez Angola estar também a apoderar-se da economia portuguesa, num esforço que tem sido elevado ao mais alto estatuto governamental e não foi por acaso a visita de Pires de Lima, ministro português da Economia, a Angola no dia de aniversário de Eduardo dos Santos, eterno presidente de Angola, assim o parece. Não deixa de ser curioso que tamanho peso institucional que Eduardo Santos tem em Angola leve a que o nome escolhido para o seu dorsal da meia-maratona tenha sido “Zé Du”, uma “alcunha” descontraída demais para um presidente contraído em excesso.

 

A capacitação (ou falta dela) é, assim, o problema de base em Angola. Desdobram-se as Universidades em busca de parcerias com outras no estrangeiro, tenta-se que os angolanos a viver em Portugal há vários anos regressem ao seu país, agora que está livre de guerras ou guerrilhas. Tenta-se no fundo reerguer um país que aparentemente busca um equilíbrio que demorará gerações a recuperar...



Foi em todo este cenário que se desenrolou a primeira edição da Meia-Maratona Internacional de Luanda, uma porta aberta para que se abra em África mais uma porta feliz de cooperação entre comunidade internacional e angolanos, ultrapassados que estão os problemas do passado e com relações diplomáticas muito mais abertas, pelo menos com Portugal, mas também com potências do Mundo como Rússia, Estados Unidos da América e China.



Só posso agradecer a Luanda pela tamanha experiência de vida! (desta vez lamento a extensão do artigo...mas não consegui ser mais sintético nas palavras...)

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